UMA REDE DE DOIS GUMES - POÁ COM ACENTO
Por Eguinaldo Hélio Souza
As redes sociais, sem sombra de dúvidas, definiram as eleições. Com seu corte afiado romperam a espessa muralha da grande mídia e frustraram as milionárias expectativas de diversos candidatos. Foram elas as atrizes improváveis da cena, as vencedoras das batalhas perdidas, os pequenos Davis com suas fundas. Tornaram possível o improvável, fazendo com que mitos virassem história. Enfim, fizeram uma clara transposição dos rumos dos rios no Brasil. Não há como negar.
Longe das vozes pagas da imprensa semidivina, os pequenos sussurros de um povo cansado e ansioso por mudanças foram ouvidos. O imenso Brasil virou uma pequena ágora (1) onde cidadãos comuns puderam ter um gostinho de Grécia Antiga. A tão assustadora polarização foi apenas a oportunidade daqueles que nunca tiveram oportunidade, uma forma democrática de expressão popular, no mais preciso sentido da palavra. Entre fake news, sentimentos reais e indignações demagogas, o brasileiro se fez brasileiro. Um patriotismo natural e espontâneo tomou conta da internet como antes já havia tomado conta das ruas. Cabral se orgulharia de ter visto.
Todavia, neste mundo distorcido e deformado, todas as facas têm dois gumes, mesmo as melhores, mesmo as redes sociais. Os poderes que salvam e que edificam, infelizmente são os mesmos que matam e destroem. As ferramentas geralmente são neutras, os que as utilizam, não. Aquilo que serviu para manifestar os mais belos sentimentos também tem servido para expressar a corrupção mais profunda do coração humano. As redes têm feito seus heróis, mas também têm feito suas vítimas.
Não poucas vezes nós vimos a imprensa destruir inocentes, assassinando reputações e produzindo mortos vivos. O quarto poder nunca esteve livre das mesmas corrupções dos demais poderes. A Escola Base que o diga.(2)
Da mesma forma, as redes sociais também têm multiplicado calúnias, exageros, mentiras, difamações sem fim. Quando qualquer um pode se tornar um “jornalista” podemos esperar o surgimento de muitos irresponsáveis, mal intencionados, vingativos, difamadores de todas as espécies. E ao invés de um público restrito diante de uma televisão ou um jornal escrito, teremos uma nuvem de disparos alcançando milhões de transeuntes em todos os lugares, desde filas de bancos a transportes públicos. Carregado com mentiras mortais, as redes sociais tornam-se metralhadoras enlouquecidas, matando reputações. E reputações mortas matam. Ou se suicidam. Gostaria que não fosse assim, mas é a verdade.
Mas não devemos fechar a ágora e instituir a ditadura digital. Precisamos sim, educar os cidadãos, e fazer alarde toda vez que as redes fizerem suas vítimas. Precisamos mostrar para as pessoas que na ponta dos seus dedos há vida e a há morte. Há construção e destruição. Há bem e mal. Que antes de divulgar é preciso averiguar.
Que antes de condenar é preciso julgar. Que não precisamos esperar ser vítima de um veneno para só então parar de ministra-lo a outros. Sempre há inocentes condenados.
As redes sociais trouxeram ao povo um poder inimaginável. Cidadãos podem ser cidadãos de um modo como nunca foram. Isto será bom se o coração for bom. E extremamente mal se os corações forem maus e irresponsáveis. As redes sociais precisam ser usadas com cuidado, sabedoria, equilíbrio. Do contrário será morte.
Termino este artigo com uma homenagem a Stan Lee: “Com grandes poderes vêm grandes responsabilidades”.
Eguinaldo Hélio de Sousa é pastor, jornalista, professor de história e teologia, poeta, escritor e palestrante em várias áreas.
1 – https://pt.wikipedia.org/wiki/%C3%81gora_de_Atenas
2 – https://pt.wikipedia.org/wiki/Escola_Base