Dia da Reforma Protestante: 505 anos exaltando o cristianismo bíblico - POÁ COM ACENTO
Por Eguinaldo Hélio Souza
…pois engrandecestes acima de todas as coisas, o Teu Nome e a Tua Palavra Salmo 138.2
Foi no dia 31 de agosto de 1517, ao meio dia, que Martinho Lutero, monge agostiniano, fixou na porta do Castelo de Wittemberg suas 95 teses contra a venda de indulgências (perdão). Ele não imaginava estar iniciando um poderoso movimento que haveria de chamar os cristãos em todo mundo para um retorno ao cristianismo bíblico.
Na verdade, ele não era o primeiro, nem seria o último e o único a defender a ideia que revolucionaria a igreja e o mundo: toda crença e prática cristã, para ser válida, necessita ser sancionada pela Palavra de Deus.
De fato, dentro de suas 95 teses, Lutero só mencionou a Bíblia em três delas (18, 53, 54). Entretanto, em toda a sua obra, bem como na de seus antecessores e sucessores, a ideia de Sola Escriptura (somente as Escrituras) como fonte de autoridade divina estava presente. Só era possível avaliar como correta ou incorreta qualquer ação ou pregação da Igreja, se houvesse uma base divina e infalível para isso.
Em 1378 dois papas foram nomeados simultaneamente. Ambos se excomungaram mutuamente e aos seus seguidores. Um Concílio em Pisa (1409) excomungou a ambos e elegeu um terceiro Papa. Os dois anteriores não reconheceram a autoridade do Concílio e excomungaram seus membros.
Então havia três papas ao mesmo tempo, os três reivindicando sua legitimidade e condenando os demais com seus seguidores. A questão só foi resolvida definitivamente no Concílio de Constança (1414 – 1418) quando os três papas foram levados a abdicar e um novo papa foi eleito.
Todas essas questões levavam os pré-reformadores e reformadores a perceber que a verdadeira autoridade para as questões de salvação não se encontravam nem em papas e nem em concílios. Confiar a salvação eterna a homens e estruturas tão falíveis era um risco grande demais que muitos já não estavam dispostos a correr.
As Escrituras e a Sola Scriptura
A leitura da Bíblia cada vez mais demonstrava as diferenças entre as crenças e práticas nelas expostas e as crenças e práticas ensinadas pela Igreja. A crença das Escrituras como único padrão da verdade nunca foi negada oficialmente, mas foi sendo gradativamente submersa ao longo dos séculos.
Estava agora sendo desenterrada. A autoridade das Escrituras antecedia qualquer outra autoridade, quer da Igreja, quer de seus representantes. Podiam ser intérpretes e expositores da Palavra, mas em circunstância alguma estava acima dela.
Na própria Bíblia o conceito era claro. Porventura Jesus já não havia dito aos fariseus “Bem invalidais o mandamento de Deus para guardardes a vossa tradição (Mc 7.9)?”. Aos judeus a Palavra foi confiada (Rm 3.2). Porém, isso não lhes dava o direito de antepor qualquer outra autoridade a ela.
Não dissera o apóstolo Paulo “Seja Deus verdadeiro e todo homem mentiroso (Rm 3.4)?”. Não foi sua pregação analisada à luz das Escrituras? Não foi essa atitude considerada nobre? (At 17.11). Em seu discurso aos líderes de Éfeso e Mileto, mostrou estar ciente da corrupção que os homens haveriam de introduzir no rebanho de Deus (At 20.29, 20). Como solução, os encomendou à Deus e “à palavra de sua graça” (At 20.32).
Mais tarde, em sua epístola pastoral a Timóteo, colocou a igreja como “coluna e apoio” da verdade (1 Tm 3.15). Ou seja, a ela, a Igreja, cabia sustentar a verdade revelada nas Escrituras e aplica-la a todos os aspectos da vida (2 Tm 3.14-17). Nem os judeus e nem a Igreja foram colocados como produtores da revelação. Essa se encontrava na Bíblia. Eles deveriam ser apenas os seus guardadores. A Igreja não produziu o Cânon das Escrituras, apenas o reconheceu.
Dando a Bíblia ao povo
Qualquer leitura das Escrituras nos levará a constatar o quanto a mesma se coloca como fonte de bênção para aqueles que a leem e obedecem. Seu conteúdo não abrange apenas temas de altas categóricas filosóficas como Deus, a origem do cosmo, natureza do universo e seu destino. Ela fala do relacionamento do homem com Deus, com seu próximo e como viver seu dia-a-dia. É comparada a uma luz que brilha em lugar escuro e que pode guiar o homem em todos os seus caminhos.
Por esse motivo, privar as pessoas desse Livro, era privar o homem daquilo que o próprio Deus tinha revelado para benefício de toda a humanidade. Qualquer coisa que a igreja dissesse não poderia superar ou menos ainda encobrir aquele conteúdo. Quanto mais pessoas liam a Bíblia mais claro ficava o fato de que nenhum motivo justificava sua restrição. O erro e a superstição religiosa só prevaleciam porque ela fora suprimida. Sua divulgação era uma obrigação e uma necessidade.
Erasmo de Roterdã (1436 – 1533) um humanista que embora tenha permanecido ligado à Igreja Católica, expressou de forma muito incisiva o papel que a Bíblia deveria desfrutar: Cristo deseja que seus mistérios sejam publicados tão abertamente quanto possível. Eu gostaria que a mais simples das mulheres pudesse ler os Evangelhos e as Epístolas Paulinas.
Tudo que eu gostaria é que esses textos fossem traduzidos em todas as línguas e pudessem ser lidos e entendidos não apenas pelos escoceses e irlandeses, mas também pelos turcos e pelos sarracenos. […] Que assim, como resultado, o fazendeiro cantasse alguns de seus versos quando arasse a terra, o tecelão os murmurasse enquanto girasse o seu tear, o viajante diminuísse o peso da jornada com histórias desse tipo! Que todas as conversas dos cristãos fossem extraídas dessas fontes.
Sua aspiração tornou-se realidade. O monopólio de um grupo restrito ao acesso das Escrituras foi quebrado e a Palavra foi se tornando disponível para mais e mais pessoas.
Essa atitude de retorno à fonte moral e espiritual da verdade não corrigiria imediatamente séculos de desvio doutrinário e de práticas anti-bíblicas. Todavia, estabelecia um fundamento essencial para que as mudanças pudessem ocorrer. Colocava as Escrituras como critério absoluto para avaliar as questões espirituais e morais essenciais, bem como permitia a todos um acesso à essa fonte. Transformações positivas só viriam com o tempo, mas as bases para as mesmas já estavam colocadas.
Os efeitos da Sola Scripura
O intelectual indiano Vishal Mangalwadi deu à sua obra o título de O livro que fez o seu mundo. Ele percebeu muito bem a diferença entre sua cultura e a cultura ocidental (uma comparação que o politicamente correto quer nos proibir de fazer). Áreas teóricas e práticas da vida ocidental foram influenciadas de modo benéfico pelo conteúdo das Escrituras. Assuntos que envolvem a compreensão do que é a humanidade, o uso da racionalidade, a tecnologia, os idiomas, a literatura, a ciência, a universidade, a família, a liberdade, a moralidade e muitos outros aspectos da vida foram impactados de modo salutar pelas Escrituras.
Ainda que a intelectualidade atual rejeite o valor da Bíblia para todas as conquistas de nossa civilização, isso nada significa. Nem sempre os filhos reconhecem a importância de seus pais em tudo que possuíram ou conquistaram. A verdade é que se “o Egito foi um presente do Nilo” , como expressou Heródoto, os aspectos positivos de nossa história foram “um presente da Bíblia”. Nossos discursos acadêmicos atuais procuram negar isso. Um intelectual indiano que conhece muito bem ambos os mundos, o confirma.
A lista da influência abençoadora da verdade bíblica é muito grande. Hospitais, universidades, alfabetização e educação em geral, iniciativa privada, governo representativo, separação de poderes, direitos civis, abolição da escravatura, ciência moderna, valorização das mulheres, serviço humanitário, fim do infanticídio, arte, literatura, música, instrução de povos incultos e inumeráveis outros benefícios . Estes são apenas alguns frutos da divulgação das Escrituras pelo Protestantismo. Isto sem falar na salvação eterna, que é o tema central das mesmas e que só em Cristo pode ser obtida.
Sola Scriptura e seus desafios
O Protestantismo, como outras expressões históricas do Cristianismo, cometeu muitos erros. Entretanto, sua insistência na centralidade do papel das Escrituras tornou possível imensa influência de seu poder transformador. Por enfatizar mais a mensagem do que o mensageiro, mais a revelação divina do que a estrutura humana que a sustenta, as verdades salvadoras abriram caminho por entre as inúmeras culturas do mundo e elas experimentaram salvação e cura em um grau inimaginável.
Normalmente a crítica ao Protestantismo foca nas inúmeras ramificações que ele produziu. A liberdade com relação às Escrituras e sua interpretação, bem como a negação de um poder centralizador que o conduza, tem gerado uma igreja extremamente nucleada. Entretanto, esse é o preço da liberdade. O contrário é um grupo já corrompido monopolizando o acesso ao único poder que pode produzir restauração.
Muitas ramificações podem ter mesmo sua origem em sentimentos e propósitos escusos. Todavia, quem conseguiu deter inteiramente o mal, não importa quantos dispositivos tenha criado? O fato é que estabelecendo as Escrituras como único padrão de fé e prática, facilmente corrupções e deficiências em um grupo podem ser corrigidas pela dissociação do grupo, uma vez que a salvação, a verdade e a experiência com Deus não residem exclusivamente na instituição.
Dessa forma, a teologia liberal matou a fé cristã em muitas “igrejas”. Mas a igreja pode se refazer facilmente simplesmente se separando da parte morta e se reunindo em torno da revelação e os frutos reais que dela resultam. A Palavra de Deus não está presa. Pode ser utilizada sempre que necessária para auto correção e aperfeiçoamento. Igreja sempre em Reforma.
Além disso, é possível enfatizar aspectos diferentes do cristianismo e adaptar-se a contextos múltiplos quando não se está preso a uma forma monolítica de existência institucional.
E por incrível que pareça, a unidade no Protestantismo Evangélico é muito real. É possível a um cristão sentir-se em casa em qualquer lugar do mundo quando ali encontra a Igreja verdadeira. Dificilmente rótulos denominacionais têm impedido a comunhão real. Ela acontece com crentes de diversas confissões e dificilmente suas diferenças doutrinárias são obstáculos para trabalhos e experiências compartilhados.
Voltar às origens
Não precisamos mais lutar contra algum grupo que advogue o monopólio da verdade, porque a Reforma deixou bem claro que só a Bíblia possui infalivelmente toda a revelação e autoridade divina. Isso não significa que pessoas e grupos ditos cristãos não se desviem desse padrão ou que até mesmo contestem esse padrão. Significa que mesmo as vozes contrárias são apenas um voz entre muitas outras e elas mesmas não possuem autoridade e força para calar os discordantes.
Aquilo que foi conquistado pelo Protestantismo é definitivo e está acessível a qualquer pessoa. Os homens são livres para duvidar da Bíblia e da sua suficiência. São livres para praticá-la ou para distorcê-la, assim como são livres para crer na Sola Scriptura e para vivê-la. Temos a possibilidade individual e coletiva para seguir fielmente as Escrituras, ou para nos afastar de pessoas e grupos que não o façam. Só a eternidade mostrará o quanto esse princípio aparentemente tão simples revolucionou o mundo e a história. Soli Deo Gloria.
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