70 ANOS DA TV NO BRASIL: 1ª DÉCADA FOI DE AVENTURA, IMPROVISO E PAIXÃO - POÁ COM ACENTO
Luiz Cláudio Ferreira e Leyberson Pedrosa
O dia 18 de setembro marca a primeira transmissão aberta da televisão
Antes das luzes se acenderem e as câmeras ocuparem o estúdio, a ansiedade tomou conta. Será que aquilo iria dar certo? Experiência, os profissionais tinham de rádio. Agora, a novidade era outra. Não bastariam os sons. As imagens também seriam transmitidas ao vivo, um desafio que deixava artistas, apresentadores, jornalistas e técnicos à beira de um ataque de nervos. Não daria, em tese, para cortar. Mas, começar de novo (quantas vezes fossem necessárias). Tudo com a luz ligada e o coração à boca, como revelam os documentos e pesquisadores da história da televisão no Brasil.
O dia 18 de setembro, uma segunda-feira, entrou para a história brasileira como a data da primeira transmissão da TV Tupi, de iniciativa do empresário Assis Chateaubriand (Chatô), em São Paulo. Setenta anos depois, a primeira década, uma era de experimentação, improviso e muita paixão, deixou um legado que excede o pioneirismo. Uma época de valorização da efervescência cultural que o país experimentava. Era a maior emoção daquele ano quando as três câmeras acenderam as luzes para as palavras do ator Walter Forster: “Está no ar a PRF-3-Tv Tupi de São Paulo, a primeira estação de televisão da América Latina”.
Uma história diferente começaria ali naquela noite.
“Quando chega, a televisão tem a seu favor toda a infraestrutura das rádios que já existiam. Os funcionários também tinham a experiência de produção”, afirma o professor Flávio Luiz Porto e Silva, pesquisador de história da televisão no Brasil. Ele explica que foi o amplo conhecimento dos profissionais de rádio que viabilizou a experiência da televisão no Brasil. Naquela noite e todos os outros dias que marcaram aquele início de experiência. “Eles vão aprender fazendo”, afirma o pesquisador.
A programação do dia da inauguração incluiu apresentações como da artista cubana Rayito de Sol, da orquestra de Georges Henri, um número do ator Amácio Mazzaropi, e outro de canto de Lia Marques, as notícias de política com o jornalista Maurício Loureiro e até uma celebração com a Canção da TV, cantada por Lolita Rodrigues e Vilma Bentivegna. Os versos da música eram do poeta Guilherme de Almeida (No teu chão, Piratininga/ A cruz que Anchieta plantou: Pois dir-se-á que ela hoje acena/ Por uma altissima antena/ Em que o Cruzeiro poisou/ E te dá, num amuleto, O vermelho, o branco o preto/ Das contas do teu colar/ E te mostra, num espelho/ O preto, o branco o vermelho/ Das penas do teu cocar). Hebe Camargo, originalmente escalada para cantar o hino, ficou afônica. Foi um sucesso, apesar de uma das três câmeras não funcionar na hora da inauguração.
Na prática, a experiência do rádio viabilizou as imagens em movimento. Um rádio com imagens, como salienta o professor e pesquisador Laurindo Leal Filho. “A respeito ao conteúdo a televisão, quase que deu continuidade ao que se fazia no rádio. Eu tenho escrito que a televisão no Brasil teve implementação diferente. Foi o teatro que influenciou bastante o início na Europa. Nos EUA, a TV apoiou-se no cinema”, explica.
“A televisão brasileira, na década de 50, teve um caráter de aventura, com o pioneirismo de seus profissionais desbravando os mistérios do novo veículo”, afirmou o professor Edgard Ribeiro Amorim no livro História da TV Brasileira. Ele explica que os primeiros anos foram marcados por uma “fase de aprendizagem” de como funcionaria aquela nova caixa mágica. Responsáveis pela parte técnica precisaram adquirir maior formação profissional na prática diante da novidade. Um tempo, aliás, sem recursos de buscas imediatas a outras referências, como ocorre no século 21. No campo artístico, os profissionais tinham as práticas da época de rádio, cinema e teatro. “Os recursos técnicos eram poucos, com um equipamento mínimo para manter uma estação no ar”, pontua Amorim.
Uma característica dos trabalhadores brasileiros foi se multiplicar para dar conta do desafio que se apresentava. Entre um programa e outro, os radialistas da Rádio Tupi ocupavam o estúdio da recém-lançada PRF-3 TV Difusora, interpretavam cenas ao vivo e voltavam à sua função no rádio. Essa era a rotina de muitos pioneiros da televisão brasileira, que se iniciou em 1950. Xênia Bier, Alvaro de Moia, Vida Alves e tantos outros nomes dessa trajetória experimental da televisão brasileira já deixaram os palcos da vida.
E na rádio, os brasileiros já tinham os caminhos das ondas. Afinal, desde 1922, graças à iniciativa de Edgard Roquette-Pinto, artistas, jornalistas e outros profissionais conheciam o frio da barriga e a responsabilidade de entender o que era uma transmissão ao vivo. Até 1932, por exemplo, publicidade era proibida em rádio. Somente depois que o veículo se popularizou.
Quando a TV foi ao ar, um novo caminho se iniciava para uma moçada arrojada, já acostumada, por exemplo, em apresentações, jornalismo e radionovelas que encantavam a audiência. Segundo os pesquisadores entrevistados, havia empolgação, mas também dúvida do que a rádio se transformaria ou qual o tipo de impacto teria com a concorrente com imagens. O rádio já era realidade em 80% das casas brasileiras.
Quando a TV chegou ao país (depois da leva dos 200 primeiros aparelhos importados por Chateaubriand), o aparelho estava longe do acesso à população, tanto pelo alcance dos transmissores não irem além de 50 quilômetros, como pelo preço, de cerca de US$ 700. Ainda mais quando foi a própria televisão ter alguma popularização, principalmente depois de 1955. Conforme registra o professor Flávio Luiz Porto e Silva, um aparelho, no começo, custava cerca o equivalente a 30 salários mínimos.
“Com o crescimento nas vendas e a possibilidade de crediário, o número de aparelhos foi crescendo. O próprio processo de popularização aumenta à medida que a década de 1950 avança. Quando chega 1959, o número de aparelhos já é muito grande. E esse número de aparelho significa também audiência. Uma maior popularização vai ocorrer mesmo nos anos 60”, afirma o professor. No começo da década seguinte, já eram 700 mil aparelhos nas casas das pessoas. Era um tempo em que o vizinho ou familiar com televisão chamava a turma para dividir os cantinhos da sala.
As novelas nessa década já eram queridinhas da audiência. Entre o final de 1951 e início do ano seguinte, Sua Vida me Pertence, com a galã Wálter Forster e a estrela Vida Alves, deixou o público curioso em frente ao novo aparelho. “A telenovela, apesar de constante no ar desde 1951, não tinha a duração nem a importância popular das atuais”, explica Edgard Amorim.
Nas artes, atores e cantores experimentaram a partir de 1952 um momento singular de profusão cultural. O programa TV de Vanguarda, na Tupi, estreou no dia 17 de agosto (um domingo), como aponta o professor Flávio Porto. “Era o maior de todos os programas de teatro, que ia ao ar às 21h sempre com atraso e se estendia por duas três horas e às vezes até avançava madrugada adentro. Este programa foi o grande laboratório da televisão”, afirma o pesquisador. Ele explica que produções dos principais nomes da dramaturgia mundial eram encenadas ao vivo pelos atores brasileiros, o que exigia uma performance e estudo inesgotável.
Os diretores inspiravam-se na estética cinematográfica para adequar o conteúdo. O diretor Cassiano Gabus Mendes foi um dos criadores junto com Dermeval Costa Lima. Dionísio Azevedo fazia também parte da direção de espetáculos de autores como Shakeaspeare e Dostoiévski. Em cena, o talento de atores como Bibi Ferreira, Vida Alves Fernanda Montenegro, Fernando Torres, Lima Duarte e Laura Cardoso. As imagens, claro, ainda em preto e branco carregaram novas cores ao público e à arte brasileira há 70 anos. A década deu um novo sentido ao “está no ar”